Quando a alma sente falta de poesia!
DESPEDIDA
Rubem Braga
E no meio
dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse
uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim,
uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma
pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a
qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se
encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se
encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada
um para seu lado — sem glória nem humilhação.
Creio que será permitido guardar uma
leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido
confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a
separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e
de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.
E que houve momentos perfeitos que
passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a
lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa
solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta
se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?
Talvez não mereçamos imaginar que
haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como
as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te
lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos
sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um
titeriteiro inábil.
Ah, talvez valesse a pena dizer que
houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não
adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas
mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as
coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.
A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.
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